Hoje foi um dia mau...
Podia dizer que foi um dia mau pelas mais variadas razões, mas, na verdade, só um acontecimento em particular me fez aperceber da terrível realidade que me rodeia: saí de chapéu-de-chuva!
(Estarão agora a pensar que estou a gozar, mas quem me conhece sabe bem que não.)
Não queria deixar que a chuva me molhasse. Eu, que sempre ando á chuva...
Mas também não foi só por este particular acontecimento que o dia foi mau, foi pelo que esse facto originou.
Eu não gosto de chapéus-de-chuva! Acho-os um estorvo e não compreendo o que é que a chuva (que é só água, pelo amor de Deus) pode ter de mal.
Mas hoje, ainda agorinha mesmo, saí com um.
Ia jantar com ele. Arrumei-me e, quando ia para sair, apercebi-me que me apetecia andar um pouco, apanhar ar. Decidi, então, não apanhar o autocarro que me levaria até á Portagem e ir até lá a pé. Ponderei uns momentos antes de deixar bater a porta e acabei por agarrar no guarda-chuva gigantesco da minha mãe. Só o levei a pensar no dia de amanhã, na responsabilidade de não poder ficar doente.
Comecei lentamente a descer a rua...
Não chovia, só molinhava. Aquela chuva chata que não é chuva, sequer, mas molha. Aquela chuva estúpida, miudinha.
Odeio essa chuva...
Sentia-me tão pequenina debaixo daquele chapéu...
Foi na ocorrência deste pensamento que o senti. O vento.
Estava razoavelmente forte e ao aproximar-me da ponte comecei a senti-lo com mais expressão, tentando levar-me o guarda chuva que parecia querer libertar-se da minha mão.
Queria deixá-lo ir. Abrir a mão, vê-lo voar e deixar a chuva, agora mais intensa, lavar-me o rosto.
Mas não... Agarrei com mais força o desprezível objecto.
Pensei, então, o quão estúpidos nós somos. O quão impotentes...
Eu, que odeio guarda-chuvas e amo a chuva, não consigo deixar que o vento leve o incomodo chapéu que trago na mão, mesmo não querendo lutar contra o vento; mas a mesma eu, querendo lutar e lutando para manter aqueles de quem gosto perto de mim, deixo que me levem tudo.
"Só o trouxe por causa do estúpido concerto de amanhã. A pensar no estúpido amanhã. O amanhã vem sempre tarde. Hoje... hoje pensei no amanhã. Devia ter pensado no amanhã há anos atrás, não hoje. Hoje devia ter vindo á chuva para ela me levar a tristeza como sempre faz. Mas como é sempre tudo errado, hoje pensei no amanhã, e trouxe um chapéu."
Hoje foi um dia mau, mas (o) amanhã será melhor.
E no entanto... (o) amanhã é sempre tarde demais...
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